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Teatro

O lado mais íntimo da cruel Medeia

ISABEL PEIXOTO

A companhia As Boas Raparigas leva à cena, a partir de hoje, sexta-feira, mais um texto clássico. Partindo do original de Eurípides, "Medeia" é uma encenação de Luís Mestre para ver no Estúdio Zero, no Porto, quando forem 21.45 horas.

A peça centra-se numa figura sem dimensão mitológica mas com toda a carga de crueldade que Eurípides quis dar-lhe, ao criar um novo tipo de personagem na tragédia grega: uma mulher repudiada pelo marido, uma estrangeira perseguida e expulsa, uma mãe que mata os próprios filhos. Numa só expressão, "Medeia é uma mulher cruel", atira Luís Mestre, que dirige um conjunto de actores "muito ecléctico e com respirações muito diferentes". São eles Maria do Céu Ribeiro, Daniel Pinto, Nuno Cardoso e Carla Miranda.

"Não é verdade que os textos fundadores sejam raros. Se calhar, são raros aqui (em Portugal), porque não há dinheiro para fazê- -los", começa por dizer Nuno Cardoso, habitualmente na pele de encenador, mas aqui vestido com o fato de Creonte. Pelas suas palavras, soluções como esta, em que se trabalham textos clássicos com poucos recursos, "ganham pela intimidade". Essa noção encontra-se, por exemplo, no facto de uma só actriz, Carla Miranda, assumir os papéis da ama e do coro, que deveria ser composto por 15 pessoas. A propósito, Carla lembra que "há personagens que não aparecem", são apenas referidas, como o caso das crianças.

Daniel Pinto salienta que "talvez não seja normal o lado mais íntimo de Medeia, vista a outra lupa". É isso que oferece esta tragédia, que o actor entende como "primordial em relação à mulher e ao voto sagrado do matrimónio". Daniel Pinto é Jasão, mas teve dificuldade em dar-se bem com ele às primeiras leituras. "É considerado um herói, mas faz muito pouco. Ele não reconhece que Medeia é que faz dele o homem que ele é", diz ainda, e confessa: "Tive de entrar no processo de machão".

Salientando a "dimensão da loucura" que não existia até então em Eurípides, Nuno Cardoso entende que a figura de Jasão, "na sua dimensão privada, está muito presente" no nosso quotidiano. E explica: "Este sentido de traição é uma coisa que está no cerne de praticamente todos os divórcios em Portugal. E quem se lixa, normalmente, são os filhos". A talhe de foice, Maria do Céu (Medeia) salienta que o que mais lhe interessa neste trabalho é ver "o que leva as pessoas a fazerem o que fazem". A ideia "é propor que as pessoas se questionem".

Em cena até dia 26, com sessões de terça a domingo. A segunda temporada é de 18 a 30 de Setembro.

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