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Trabalho

Empregados da France Telecom à beira da depressão

por JOSÉ MIGUEL SARDO

Empregados da France Telecom à beira da depressão

24 suicídios em 18 meses é o saldo macabro do plano de reestruturação da France Telecom. Empregados e sindicatos denunciam uma gestão do pessoal baseada no terror, na humilhação e no silêncio. Quando o sucesso da empresa está longe de levantar o moral dos trabalhadores.

Jean-Paul Rouanet era um empregado modelo, admirado pelos colegas pela dedicação e perfeccionismo, mas no final da semana passada tinha decidido, pela primeira vez, marcar uma consulta com um psicólogo. O técnico de 51 anos, reconvertido em vendedor, não escondia a frustração com o novo cargo, dois meses depois de a direcção da France Telecom ter suprimido o departamento de relações com empresas para o qual trabalhava. Transferido de um gabinete pessoal para um open-space com 100 pessoas, Jean-Paul não conseguia adaptar-se à nova função de assistente do serviço de clientes, num centro de atendimento telefónico em Annecy, no Sudeste de França. Um ritmo infernal de 5,2 clientes por hora, imposto pelos objectivos da empresa, "inalcançáveis" segundo os sindicatos; "imprescindíveis" para a direcção, que há uma década leva a cabo um plano de reestruturação para adaptar os 100 mil funcionários da antiga empresa pública de telecomunicações a um mercado cada vez mais diversificado.

Como outros 10 mil empregados, Rouanet tinha sido já obrigado a mudar de cidade, de Paris para Annecy, no quadro do programa de mobilidade dos empregados a cada três anos, sem direito a qualquer comparticipação por parte da empresa. As avaliações semestrais de objectivos cada vez mais ambiciosos, os contactos e emails recebidos durante os dias de descanso, somados à pressão diária dos directores para reduzir custos e antecipar a reforma de funcionários tinham-se tornado insuportáveis. Na terça-feira passada, dia da consulta com o psicólogo, era uma colega de trabalho que descrevia o mal-estar de Jean-Paul. "Ele morreu de sofrimento, entre a vontade de fazer bem e a falta de meios para poder fazê-lo". Jean-Paul nunca chegou a assistir à consulta de psicologia, na véspera lançava-se para o vazio do cimo de um viaduto nos arredores de Annecy, tornando-se no 24.º suicídio na France Telecom em 18 meses.

No início de Setembro, uma funcionária tinha-se atirado da janela do seu gabinete, em Paris, depois da direcção ter suprimido o serviço no qual trabalhava. Outras 14 tentativas de suicídio foram registadas nos últimos meses, em circunstâncias similares, como um homem que se apunhalou na barriga durante uma reunião da empresa. A maioria pertencia aos cerca de 60 mil trabalhadores com estatuto de funcionário público, antigos técnicos de redes telefónicas, forçados a acompanhar o ritmo da transformação do sector das telecomunicações ou a abandonar a empresa.

Pressionado pela opinião pública, depois de ter considerado a vaga de suicídios como uma "moda", o presidente da companhia, Didier Lombard, foi obrigado a suspender, na esta semana passada, o polémico programa de mobilidade trienal dos empregados e a anunciar mais medidas de acompanhamento psicológico para pôr fim ao "ciclo infernal de suicídios", mas sem abdicar do plano de reestruturação. Ontem, substitui o seu 'número 2' (ver caixa). Nos últimos dez anos, a empresa dispensou dezenas de milhares de funcionários, ao mesmo tempo que se abriu a novos mercados.

Uma empregada lembra: "Comecei por trabalhar como assistente telefónica para a rede fixa, mas uns anos depois já acumulava funções de assistente do serviço Internet e da televisão por uns míseros 50 euros suplementares por mês".

Os partidos da oposição condenaram os "métodos inumanos" da companhia, exigindo a demissão imediata de Lombard. O ministro do Trabalho, Xavier Darcos ensaiava há dias uma explicação para atenuar a polémica, "Estamos a passar de uma economia industrial a uma economia de serviços, os acidentes laborais tornam-se assim acidentes de carácter psicossocial".

Mas para Jean-Claude Delgenes, do gabinete Technologia, especializado em prevenção de riscos profissionais, "há três razões que explicam este fenómeno: a ditadura do cash-flow, que transforma o indivíduo numa simples fonte de rendimento; a exigência permanente do 'cliente rei'; e os progressos da informática, que permitem acompanhar o desempenho de um indivíduo quase em directo e solicitá-lo a qualquer hora, quebrando o ritmo de descanso". Antes de se suicidar, Jean-Paul Rouanet escreveu uma carta à família, onde afirmava não aguentar mais a pressão dentro da empresa, depois do seu caso ter sido ignorado várias vezes pela direcção.

Os sindicatos anunciaram que vão recorrer aos tribunais, acusando a France Telecom de "colocar em risco a vida dos trabalhadores" e de "falta de assistência a pessoa em sofrimento". No "Reussir act", um documento encomendado pela empresa, em 2007, a um gabinete de consultadoria em recursos humanos, os gestores eram aconselhados a lidar com um empregado deprimido, repetindo a mesma frase: "A evolução das necessidades é a base da mudança."

O meu comentário:

"Esta pode ser uma boa notícia pelos motivos errados. Oxalá nos sensibilize para as novas formas de escravatura deste sistema capitalista que por vezes defendemos tanto..."

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