VISÃO

Os pais também amamentam

 Há cada vez mais pais em licença de paternidade. Fazem parte de uma geração de homens mais participativos e afetuosos que reclamam uma maior proximidade aos seus filhos, ao longo de toda a infância.  

Patrícia Fonseca (Texto) e José Caria (Fotos)


Sozinho em casa
Tito de Almeida, 34 anos, não hesitou quando a mulher lhe colocou a hipótese de ser ele a ficar de licença em casa, a cuidar do filho recém-nascido. Sancha de Almeida, 30 anos, é assistente social no Instituto de Emprego de Coimbra mas trabalha a recibos verdes, só tendo, por isso, direito a seis semanas de licença de maternidade. Há três anos, quando nasceu Santiago, o filho mais velho do casal, estava efetiva num supermercado Lidl o mesmo onde conheceu o marido, que ali chefia uma secção. Hoje, Sancha gosta mais da sua profissão mas, com um contrato precário, não havia outra saída: teria de ser o pai a assumir os cuidados de Gustavo. Incluindo dar-lhe biberões com leite materno congelado.
"Eu sempre fui jeitoso para estas coisas, achei que não ia ser nada do outro mundo. Tinha, também, a experiência do primeiro filho, já sabia dar os banhos, tudo isso... não senti receio nenhum", garante Tito. No supermercado ainda ouviu algumas piadas dos colegas "Vai ser lindo, o Tito a mudar fraldas!", mas os seus chefes, garante, não poderiam ter sido mais compreensivos. Sancha só considerou a hipótese porque conhece bem o homem com quem casou há cinco anos: "É um pai muito dedicado e faz tudo em casa." Ao fim de cinco meses, a aventura chega ao fim. No último dia da licença de paternidade, Tito resume a experiência numa palavra: "Fantástica!" Depois, olha para o filho, sentado a seu lado, e o sorriso enrola-se num nó apertado.
Os dois acabaram por criar uma ligação tão forte como Santiago criou com Sancha. O sentimento surpreendeu um pouco o pai mas não apanhou a mãe desprevenida.
"Ainda estava grávida e já dizia ao meu marido: o Santiago há de ser o 'filho da mãe' e o Gustavo o 'filho do pai'. E isso é notório, há um grande vínculo entre eles. Se o Gustavo começar a chorar, o pai vai lá e ele acalma-se logo. Se calhar, mais facilmente com ele do que comigo."
Pai maternal
Nada que surpreenda o pediatra Mário Cordeiro: "Os pais têm uma enorme componente maternal. Durante muito tempo, esteve abafada, era quase vergonha.
Mas têm-na." No seu consultório da Avenida Guerra Junqueiro, em Lisboa, o médico nota que cresceu o número de pais a acompanhar os filhos às consultas. E, em caso de doença das crianças, já passa tantas declarações a homens como a mulheres, para que justifiquem a falta ao trabalho. "A partilha é cada vez mais natural", considera.
Ainda são poucos os pais a assumirem a licença principal, como foi o caso de Tito de Almeida, mas o facto de o poderem fazer é, por si só, uma conquista rara, a nível mundial. Este reconhecimento da capacidade dos pais para cuidarem sozinhos dos filhos tornou-se oficial há 13 anos, quando foi criada a primeira licença de paternidade em Portugal. Era apenas de três dias opcionais, que, depois, se tornaram em cinco e, mais tarde, em dez dias obrigatórios.
Mas foi só em 2009 que, da cauda da Europa, passámos a caso exemplar: além do nosso país, só Suécia, Finlândia, Alemanha e Áustria preveem que o pai possa tirar licença exclusiva e remunerada.
A lei concebida no ministério do socialista Vieira da Silva visava promover a partilha dos cuidados aos recém-nascidos e essa missão, como provam as estatísticas, está a ser cumprida. Tal como agora Henrique Medeiros e Silva, 36 anos, em 2011 cerca de 55 mil homens fizeram uso desta lei, ficando 20 dias com os seus bebés (dez dias obrigatórios mais dez facultativos) e 17 mil gozaram o último mês da licença a sós, quando a mãe regressou ao trabalho.
Os dias que Henrique passou em licença de paternidade com José e Manuel, hoje com 4 e 2 anos, e com Teresa, de 5 meses, fazem parte das suas memórias mais preciosas. Para poder acompanhar o crescimento dos filhos, trocou o cargo numa grande instituição, em Lisboa, por um menos aliciante. Perdeu, também, um terço do seu já modesto ordenado de assistente social mas passou a trabalhar ao lado de casa, em Setúbal.
"Quando o José nasceu, o Henrique saía de casa às 7 e meia e o menino estava a dormir; depois, regressava por volta das 8 e, se eu já tinha dado o banho e o jantar. era um sofrimento para ele.
Dizia, com grande desalento: 'Já perdi outro banho'", recorda a sua mulher, Ana Júlia, 35 anos. Com o nascimento do Manuel, o pai decidiu mudar de vida.
"Dei por mim a ser incapaz de fazer as duas coisas", recorda. "Uma colega de trabalho pôs-me a pensar naquilo que estava a fazer e decidi abandonar o meu emprego de sonho, procurar algo mais próximo de casa, mesmo com uma menor realização profissional, mas com uma excelência naquilo que, para mim, é o mais importante, que é estar diariamente com eles." Teresa é a terceira dos cinco filhos que o casal deseja ter. Fez agora cinco meses, o que significa que, em casa dos Medeiros e Silva, vai haver uma passagem de testemunho: a mãe regressa ao trabalho, como arquivista da Diocese de Setúbal, e o pai volta para casa, de licença. À terceira ronda, não há banho, fralda ou birra que o assuste. Henrique sempre fez tudo pelos filhos, e com imensa alegria: "Só não dei de mamar porque não podia!"

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