PÚBLICO
Galardão financiado pelo Estado

Romancista espanhol Javier Marías recusa Prémio de Narrativa de 20 mil euros

 Por Luís Miguel Queirós
O escritor, fotografado em 2005O escritor, fotografado em 2005 (Rui Gaudêncio)
 O escritor espanhol Javier Marías, um dos mais prestigiados ficcionistas espanhóis contemporâneos, recusou na quinta-feira o Prémio Nacional de Narrativa, atribuído ao seu mais recente romance, Los Enamoramientos. Poucas horas após ter sido anunciado como vencedor do prémio – que tem uma dotação pecuniária de 20 mil euros e é financiado pelo Governo espanhol, através do Ministério da Educação, Cultura e Desporto –, Marías convocou uma conferência de imprensa para agradecer a gentileza dos jurados e para informar que a natureza “institucional, oficial e estatal” do galardão o impedia de o aceitar.

Revelado no início dos anos 1970 com os romances Los Dominios del Lobo e Travesía del Horizonte, Javier Marías já várias vezes anunciara que não receberia nenhum prémio outorgado pelo estado espanhol. “Trata-se apenas de uma questão de coerência, do meu desejo de ser coerente”, afirmou anteontem o escritor aos jornalistas que o ouviam no Círculo de Belas Artes de Madrid. “Há muitos anos que não aceito nenhum convite do Instituto Cervantes, nem do Ministério da Cultura, nem sequer das universidades públicas ou da Televisão Espanhola [o canal público TVE]”, lembrou Marías, precisando que esta sua atitude de “recusar qualquer remuneração que proceda do erário público” espanhol é “independente do partido que governa” o país.

A par da sua obra de criação própria, Marías é também um notável tradutor, devendo-se-lhe as versões castelhanas de obras de autores como Laurence Sterne, Stevenson, Conrad, Faulkner, Auden, Wallace Stevens, Nabokov ou John Ashberry, entre vários outros. Em 1979, quando tinha apenas 28 anos, recebeu o Prémio Nacional de Tradução pela sua tradução do pioneiro romance A Vida e Opiniões de Tristam Shandy, de Sterne. O romancista recordou agora este e outros precedentes – como a aceitação, em 1998, de um prémio atribuído ao conjunto da sua obra pelo município de Madrid – para explicar que a sua opção de se esquivar a solicitações e prémios institucionais foi sendo amadurecida ao longo dos anos. “Decidi que não ia prestar-me, fosse de que modo fosse, a que se dissesse: ‘Este foi favorecido, recebeu muitos convites do [Instituto] Cervantes, fez carreira graças a ajudas estatais…’”. 

Marías adiantou ainda que tem pedido em várias ocasiões para o seu nome não ser considerado por júris de prémios estatais, e confidenciou que já este ano recusara um prémio de 15 mil euros, que não identificou. Defendendo que “aceitar o prémio e doar o dinheiro logo a seguir seria um pouco demagógico”, o escritor prefere que o Ministério da Cultura “dê a esse dinheiro o destino que melhor lhe pareça”. Mas sempre vai acrescentando: “Oxalá o destinem às bibliotecas públicas”. 

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