PUBLICO
Reforma da lei do aborto pode sair cara ao governo de Rajoy
Sondagens colocam socialistas à frente dos populares nas
preferências eleitorais. Partido do Governo prejudicado pela polémica em
torna das alterações à lei do aborto.
O anteprojecto aprovado pelo Governo conservador
espanhol para restringir significativamente os critérios para a prática
legal do aborto – que já ficou conhecido como a “lei Gallardón” – merece
a oposição de mais de 80% dos espanhóis, revela uma sondagem da empresa
Metroscopia para o diário El País.
E, no que serão ainda
piores notícias para o executivo de Mariano Rajoy, com a aprovação da
lei, o Partido Popular corre o risco de excluir e afugentar uma parcela
significativa da sua base eleitoral, e garantir a vitória dos
socialistas nas próximas eleições legislativas, em 2015.
Os
números relativos à preferência dos eleitores colocam o partido
socialista espanhol (PSOE) à frente, com 33,5% das intenções de voto,
contra 32% do Partido Popular (embora, por causa da margem de erro da
sondagem, os dois partidos se encontrem em situação de empate técnico).
Tendo em conta os resultados das legislativas de Novembro de 2011, é uma
queda abrupta dos populares, que alcançaram a vitória com 44,6% dos
votos, e uma recuperação ligeira dos socialistas, que têm vindo
gradualmente a recuperar nas sondagens dos 28,7% que conquistaram há
pouco mais de dois anos.
Durante este tempo, é a segunda vez que
os socialistas estão mais bem colocados do que os seus adversários
políticos: em Agosto do ano passado, gozavam de uma vantagem
insignificante de 30,5% contra 30,1 do partido do Governo. Mas face aos
resultados da sondagem de Dezembro último, é quase uma inversão de
posições. Nessa altura, os populares lideravam com 33,9%, enquanto os
socialistas se mantinham na fasquia dos 31,5%.
Os responsáveis
pela sondagem advertem contra o estabelecimento de um nexo de
causalidade entre a apresentação do projecto de reforma da lei do aborto
– e a sua aprovação em Conselho de Ministros, que provocou um pequeno
terramoto político em Espanha – e a quebra das intenções de voto no PP
ou da popularidade do primeiro-ministro Mariano Rajoy. De acordo com a
mesma sondagem, 78% dos eleitores “desaprovam” da gestão do
primeiro-ministro e 71% dizem que o desempenho do Governo se baseia no
“improviso”.
Como notava o El País, falta comprovar se as
apreciações negativas “são fruto de um acontecimento concreto e
conjuntural” ou se esta quebra será confirmada em sondagens posteriores
como “uma tendência”. Mas para os analistas, os resultados do inquérito
permite concluir que “em termos estratégicos e eleitorais, a decisão de
Rajoy de avançar com a reforma da lei do aborto tem mais
contra-indicações do que benefícios para o PP”.
O maior prejuízo
apontado pelos comentadores tem a ver com um potencial afastamento dos
eleitores flutuantes do centro, que não se revêem no discurso
ultra-conservador do PP, e a simultânea mobilização do eleitorado de
esquerda, que pode acrescentar um novo tema à sua campanha contra a
“política de cortes” do Governo de Rajoy.
O projecto subscrito
pelo ministro da Justiça Alberto Ruiz-Gallardón acaba com a actual regra
que atribui às mulheres o direito a interromper a gravidez até às 16
semanas, de forma livre e sem necessidade de apresentar qualquer
justificação. A ser aprovada, a nova lei só autoriza o aborto nos casos
em que as mulheres grávidas corram um grave risco de vida, ou quando a
gravidez resulte de abusos sexuais. Outras situações excepcionais antes
consideradas, como por exemplo a malformação do feto, deixam de ser
atendidas como razões para o aborto.
Quando questionados se
concordavam ou discordavam com a declaração “Qualquer mulher grávida
deve ter o direito de decidir livremente se quer prosseguir ou não com a
sua gravidez”, uma esmagadora maioria de 84% disse estar de acordo.
Dividindo essa resposta entre os inquiridos que se identificaram como
eleitores do PP e eleitores do PSOE, constatou-se que 68% dos
conservadores estavam de acordo com o direito ao aborto e que 96% dos
socialistas se identificavam com a lei que foi aprovada pelo anterior
Governo de Rodríguez Zapatero. Entre os eleitores que se descreveram
como católicos praticantes, também se verifica uma maioria a favor do
direito da mulher a decidir: 60% respondeu concordar com a afirmação
(esse número dispara para os 89% entre os católicos não praticantes e
para os 95% entre os que se declaram não-crentes).
A irritação do
eleitorado com a reforma da lei do aborto fica clara com as respostas às
perguntas sobre a sua oportunidade (78% dizem que não havia necessidade
de mudar a legislação) ou sobre as pressões sociais: 75% dos inquiridos
consideram que não existia uma “demanda” da sociedade espanhola que
justificasse a alteração da lei. Por uma margem idêntica de 75%, os
espanhóis estimam que “o Governo impulsionou a reforma para agradar aos
sectores mais conservadores da Igreja Católica”.
Em editorial, o El País
chama a atenção para um outro dado importante que a sondagem da
Metroscopia pôs em evidência: nove em cada dez espanhóis reclamam que os
deputados possam votar em consciência o projecto de reforma da lei do
aborto, e não sejam obrigados a seguir a disciplina partidária. “A
liberdade de voto é um assunto importante, no que diz respeito aos usos e
práticas parlamentares, porque confirma a exigência social de um laço
nítido entre o que pensam os eleitores e o que devem fazer os eleitos”,
escreve o diário.
Nesse sentido, prossegue o El País, a
insistência do Partido Popular em fazer aprovar esta lei não é só um
“manifesto erro político” por esbarrar contra os desejos dos espanhóis –
é também a demonstração da sua forma de governar com “mão-de-ferro”.
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