PÚBLICO Ciência
No Porto, está a ser criada uma vacina para proteger o bebé antes de nascer
Será a primeira vacina neonatal do mundo. É para ser aplicada às
mulheres e, assim, evitar que os filhos recém-nascidos, ou na sua
barriga, desenvolvam infecções que matam mais de um milhão de bebés por
ano no mundo.
As infecções transmitidas da mãe para filho durante a gravidez e logo
após o nascimento são um grande problema de saúde. Causadas por
bactérias, podem desencadear pneumonias, meningites e sépsis (infecção
geral), levando nalguns casos à morte. Uma equipa de cientistas da
Universidade do Porto desenvolveu a primeira vacina neonatal do mundo
para prevenir estas três infecções e, agora, cedeu os seus direitos de
comercialização a uma empresa de biotecnologia portuguesa.
Tudo começou há mais de 30 anos. Nessa altura, Mário
Arala Chaves, conceituado investigador e imunologista português,
fundador do Laboratório de Imunologia do Instituto de Ciências
Biomédicas de Abel Salazar (ICBAS), da Universidade do Porto,
identificou que a bactéria Streptococcus intermedius libertava moléculas que interagiam com o sistema imunitário do hospedeiro. O resultado disso é que o “desligava”.
“Foi
uma descoberta interessante: parecia que as bactérias libertavam algo
que era imunossupressor. Ele ainda não sabia muito bem como nem o quê,
apenas sabia que algo era libertado”, conta ao PÚBLICO Pedro Madureira,
investigador do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC), também
da Universidade do Porto, e que esteve envolvido neste estudo nos
últimos 12 anos.
Foi seguindo a linha de investigação de Mário
Arala Chaves que a equipa do ICBAS, liderada por Paula Ferreira,
conseguiu mais tarde identificar a proteína imunossupressora em questão e
determinar a sua influência no sistema imunitário dos recém-nascidos.
O
que fazem essas bactérias? “Em concreto, libertam uma proteína que
‘desliga’ o sistema imunitário das crianças”, explica Pedro Madureira.
“As crianças são muito susceptíveis a um determinado tipo de infecções
por bactérias, exactamente porque libertam essa proteína que ‘desliga’ o
sistema imunitário. As bactérias replicam-se e as crianças podem morrer
se não forem tratadas.”
Tendo desde sempre em vista a criação de
uma vacina, a equipa começou a trabalhar no desenvolvimento de uma que
contivesse pequenas porções da proteína imunossupressora. O objectivo é
evitar infecções perinatais, ou seja, que ocorrem antes, durante ou logo
após o parto.
Esta é a primeira vacina no mundo que induz o
organismo a produzir anticorpos nas mulheres para as três infecções
perinatais (pneumonia, meningite e sépsis), para assim neutralizar a
molécula que enfraquece o sistema imunitário. À semelhança do concluído
por Mário Arala Chaves para a Streptococcus intermedius, a
equipa já liderada por Paula Ferreira identificou essa mesma molécula
noutras bactérias (o mesmo mecanismo foi aliás explorado pela equipa
desta cientista para criar uma vacina contra as bactérias que provocam a
cárie e que está patenteada desde há alguns anos).
“No mundo não há nada, rigorosamente nada”, frisa Pedro Madureira, referindo-se a uma vacina neonatal.
Uma das bactérias que a vacina pretende combater é a Streptococcus agalactiae (ou Streptococcus
do grupo do B), um dos principais agentes infecciosos nos
recém-nascidos. Em relação às outras bactérias-alvo da vacina, o
investigador não as quer revelar por questões comerciais.
“Normalmente,
existem quatro bactérias que são as principais causadoras deste tipo de
doenças. Duas das bactérias não causam nenhum problema à mãe, mas,
quando passam para o bebé, podem causar infecções”, diz Pedro Madureira.
“Uma única vacina — são os resultados que temos — consegue evitar
infecções causadas por vários tipos de microrganismos.”
Até agora,
se não forem detectadas a tempo, estas infecções são tratadas tarde de
mais com antibióticos. Por ano, incluindo os nados-mortos, matam mais de
um milhão de bebés no mundo. Mas mais de 50% dos bebés que sobrevivem
ficam com sequelas graves: perda de visão, de audição e défices
cognitivos.
“As sequelas neurológicas podem durar a vida toda.
Vários estudos demonstram que grande parte das crianças que tiveram
infecções durante o período neonatal tem um défice de aprendizagem na
idade escolar. Mesmo não matando, as infecções causam sequelas graves.”
A
vacina será administrada às mulheres — e não aos bebés —, porque muitas
vezes as infecções ocorrem ainda na barriga da mãe. Desta forma, as
mulheres produzirão os anticorpos necessários, passando-os para o bebé.
Caso seja infectado, o bebé recebe os anticorpos da mãe que
neutralizarão essa proteína imunossupressora. Segundo o investigador, a
vacina deverá conseguir combater “90% das bactérias que causam infecções
em recém-nascidos”.
A ideia é vacinar as mulheres logo no início
da adolescência, independentemente pensarem ou não em engravidar um dia,
defende Pedro Madureira. “Por exemplo, receber duas doses da vacina e,
caso seja necessário, outra dose na gravidez.”
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