PÚBLICO
Relação condena empresa a reintegrar adventista despedida por faltar em dias de culto
Entre faltar ao trabalho e não cumprir o ritual adventista de
"guardar o dia" de sábado, Rosário escolheu a primeira. Foi despedida.
Agora a empresa é obrigada a reintegrá-la e a pagar os salários que lhe
são devidos.
Ao fim de 21 anos a trabalhar na mesma
empresa, Rosário (nome fictício) teve um processo disciplinar por faltar
aos sábados. Enquanto membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, a
funcionária tinha acordado com os patrões que os seus turnos nunca
calhariam ao sábado, o dia de descanso semanal e sagrado para os membros
da sua religião.
Até que em
Setembro de 2009, a entidade empregadora decidiu mudar-lhe os turnos da
linha de montagem onde operava. Nas sextas-feiras, encontrando-se
escalada no segundo turno (das 15h30 às 23h30), assim que atingia a hora
do pôr do sol, Rosário abandonava o posto de trabalho. A 14 de Abril de
2010 - e após quatro processos disciplinares por se ausentar do posto -
foi ordenado o seu despedimento sem indemnização ou compensação.
No
processo - que passou pelo Tribunal de Loures, Tribunal da Relação de
Lisboa e Tribunal Constitucional - o conflito residia no direito do
trabalhador à liberdade religiosa e o direito do empregador à correcta
gestão dos meios humanos ao seu dispor. E, mais importante que isso,
estava em causa a interpretação do regime de flexibilidade de horário,
uma vez que Rosário trabalhava por turnos.
De
facto, o artigo 14.º da Lei da Liberdade Religiosa prevê o pedido de
dispensa de trabalho por motivos religiosos (dia de descanso e de
festividades e horários prescritos pela confissão) para trabalhadores em
regime de flexibilidade de horário, sendo que tem de existir
"compensação integral do respectivo período de trabalho", ou seja, um
pedido de troca de horários. Não havendo flexibilidade no horário de
trabalho, não seria legítima a dispensa: as faltas ao trabalho de
Rosário seriam injustificadas.
Era essa a argumentação da
empresa. A entidade empregadora alegava que a funcionária não trabalhava
em regime de trabalho flexível, mas sim em regime de turnos rotativos,
"estando perfeitamente determinada a hora de início e termo do período
normal de trabalho diário, a qual apenas variava em função da rotação do
turno", lê-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a que o
PÚBLICO teve acesso.
Mas em Julho deste ano, o Tribunal
Constitucional (TC) deu razão a Rosário, explicando que a Constituição
protege a liberdade religiosa dos indivíduos, não podendo por isso
"deixar de considerar incluídas no conceito de flexibilidade de horário
(salvaguardada a possibilidade de compensação do trabalho não prestado
em certo período) todas as situações em que seja possível compatibilizar
a duração do trabalho com a dispensa do trabalhador para fins
religiosos". Assim, o TC defende que era obrigação da empresa procurar
uma solução, dentro do seu horário, que permitisse assegurar o "dia de
guarda" da funcionária.
A
reforma do acórdão da Relação de Lisboa, tal como o TC tinha ordenado,
foi feita este mês, a 17 de Dezembro, pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Ao fim de quatro anos, é dada ordem de reintegração da funcionária no
seu posto de trabalho, ficando ainda condenada a empresa a pagar os
salários desde a data do despedimento. Uma vez que não se conhecem os
valores, o tribunal relegou o cálculo para mais tarde.
Casos como este e o de uma procuradora que há vários anos lutava em tribunal para que fosse reconhecido o direito de não trabalhar aos sábados,
já tinham levado o ex-provedor de Justiça Alfredo José de Sousa a
defender que a dispensa de trabalho por motivos religiosos deveria ser
estendida a todos os trabalhadores e não ser circunscrita aos que estão
em regime de flexibilidade de horário, como prevê a lei.
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