PÚBLICO
Islândia pondera tirar aos bancos o poder de criar dinheiro
Penalizados pela crise de 2008, os islandeses querem acabar com a
criação e rebentamento de bolhas no sistema financeiro. Nem que isso
signifique acabar com o sector bancário tal como ele hoje existe.
A Islândia foi um dos países que mais sofreu
com o facto de ter deixado o seu sector bancário crescer
descontroladamente. Por isso, não surpreende que agora seja nesta ilha
de 300 mil habitantes conhecida por não ter medo de inovar que se esteja
a ponderar a reforma mais radical do sistema financeiro. Uma reforma
que foi apresentada por uma comissão parlamentar a pedido do
primeiro-ministro islandês e que retiraria aos bancos o poder de criar
dinheiro, fazendo-os recuar para um tipo de funcionamento que já não
conhecem desde o século XIX.
A primeira coisa que é preciso perceber para
compreender o alcance daquilo que está a ser ponderado na Islândia é que
os bancos comerciais, e não somente os bancos centrais, têm desde o
final do século XIX o poder de criar mais ou menos dinheiro. É verdade
que são os bancos centrais que emitem as notas e as moedas. Mas, os
bancos comerciais, quando decidem fazer um empréstimo a uma empresa para
esta investir ou quando financiam alguém a comprar uma casa, fazem na
prática com que mais dinheiro entre em circulação na economia.
Os
bancos centrais têm a capacidade, com a definição de taxas de juro ou
com as exigências de rácios que fazem aos bancos, de influenciar a forma
de actuar das instituições financeiras. No entanto, o relatório
encomendado pelo primeiro-ministro islandês Sigmundur Gunnlaugsson e
apresentado no final de Março por Frosti Sigurjonsonn, um deputado da
maioria governamental, diz que isso não chega. E que desta maneira,
quando chega uma crise e muitos empréstimos começam a não ser devolvidos
aos bancos, corre-se o sério risco de não haver nos bancos dinheiro
suficiente para fazer face às poupanças feitas pela população.
Os
islandeses conhecem bem este risco. Desde 1875, o país já passou por 20
crises financeiras de diferentes tipos, diz o relatório. E a última
aconteceu em 2008. Nas década anterior, depois de se ter reduzido
fortemente o nível de regulação, o sistema financeiro islandês ganhou
uma dimensão muito superior à da economia e a massa monetária em
circulação multiplicou-se a um ritmo raramente visto. Assim que a crise
financeira internacional chegou aos bancos islandeses, todo o sistema
colapsou, com fortes custos para a população.
Para evitar isto, o
que Frosti Sigurjonsonn propõe é aquilo a que chama de sistema
financeiro “soberano”, em que o banco central ficaria de facto com a
totalidade do poder de definir, a cada momento, quanto dinheiro é que é
posto em circulação. Um banco comercial, quando decidisse conceder um
empréstimo, teria necessariamente de retirar o dinheiro de uma conta
criada para o efeito. Desta forma, em vez de se assistir a uma
multiplicação do dinheiro, o que aconteceria é que o montante que o
banco central deixaria circular passaria apenas a ser transferido de um
lado para o outro. “O poder de criar dinheiro mantém-se separado do
poder de decidir como é que o novo dinheiro é usado”, afirma o
relatório, que defende que isto conduziria também a que os bancos
tivessem muito mais cuidado em escolher os projectos e investimentos em
que quereriam participar.
A questão da dimensão do sector bancário
– que atingiu níveis astronómicos na Islândia mas que também cresceu
muito na generalidade dos outros países – voltou a estar em cima da mesa
depois da crise financeira internacional. Mas na realidade poucas
medidas foram entretanto tomadas para alterar a situação.
Já nos
anos 30 do século passado, depois da Grande Depressão, um grupo de
economistas norte-americanos liderado por Irving Fisher tinha feito a
mesma proposta de passar para o Estado todo o poder de criar dinheiro.
No
ano passado, o colunista do Financial Times, Martin Wolff tinha
defendido o mesmo tipo de estratégia, acrescentando que tal daria ainda
aos Estados uma enorme fonte de receitas, que lhes daria espaço de
manobra para reduzir a carga fiscal.
Entre os mais críticos,
contudo, é assinalado que o regresso a um sistema em que o sector
público decidisse exactamente e a todo o momento quanto dinheiro é que é
preciso criar não reduziria o risco de excessos. Pelo contrário, dizem,
os Governos poderiam ter ainda uma maior tentação para continuar a
injectar dinheiro para que as economias crescessem mais.
O debate
teórico em relação a esta matéria promete ser cada vez mais animado
depois do aparecimento desta proposta. Mas como em muitos outros casos,
dificilmente conduzirá a uma conclusão definitiva. Será que a Islândia e
os seus 300 mil habitantes estão dispostos a passar esta ideia à
prática e servir de experiência viva para os outros países?
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