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Há 40 toneladas de solidariedade portuguesa para entregar aos refugiados sírios

setembro 17, 2015
Enquanto as engomadas e cheirosas altas esferas da União Europeia continuam a alimentar o espectáculo absurdo da falta de entendimento sobre como gerir politicamente, ou geopoliticamente, ou lá o que seja, a enxurrada imparável de gente desesperada em fuga de um martírio sem fim à vista, em menos de uma semana a chamada sociedade civil portuguesa - ou seja uma rapaziada amiga com muitos contactos e iniciativa - mobilizou 150 voluntários em 30 locais do País e recolheu 40 toneladas de donativos para...simplesmente...ajudar.
O primeiro camião a ser carregado. Imagem via.
A ideia inicial parecia simples, romântica quanto baste e, acima de tudo, prática e verdadeiramente útil. Volta-se costas ao ódio, medo e ignorância que por estes dias contaminam meio mundo em cada recanto do espaço digital, lança-se uma campanha relâmpago de recolha de donativos, agarra-se no que se conseguir, mete-se tudo em carrinhas e arranca-se em caravana para a fronteira servo-húngara para entregar directamente as coisas a quem delas precisa. Simples certo?
Tão simples que, poucos dias depois de criar a página Aylan Kurdi Caravan no Facebook esta rapaziada teve de montar um Centro de Operações improvisado em Alfragide, coordenar mais de uma centena de pessoas de Norte a Sul que foram criando pontos de recolha nas suas localidades, gerir todo o processo de criação de uma rota que os levasse a bom porto com todo o estabelecimento de contactos institucionais que isso representa, desde as ONG's no terreno, às embaixadas, consulados e o diabo a quatro, dividir, embalar, catalogar e carregar todo o material oferecido e, claro, ir respondendo com calma e serenidade às 542.687 mil mensagens de ódio que iam recebendo dos generosos, moralistas e inevitáveis defensores dos "nossos", da suprema raça lusitana que sofre vagabundeando pelas ruas e a quem ninguém acode. "Olhem para a voça rua! Olhem no bairro onde vivem ! Na cidade! Há portugueses a passar fome há crianças que nestas férias nem refeições fazem porque as únicas que tem são nas escolas! É só isso que vos pesso!". Coisas deste calibre a torto e a direito.
Pois é, nem a rapaziada esmoreceu, nem a tal Sociedade Civil claudicou e, tal como tudo no terreno - que a cada dia que passa se parece mais com um cenário de guerra - está em constante mudança, também a Caravana foi obrigada a reformular-se. As 15 carrinhas que estavam prontas para arrancar amanhã, sexta-feira, 18, transformaram-se em "dois ou três camiões TIR, devido à dimensão da carga que foi possível juntar e que já não era possível transportar no modelo que estava pensado", revela à VICE Maria Miguel Ferreira, uma das responsáveis pela organização da iniciativa. "Os veículos são cedidos por algumas das mais de 20 empresas que estão a ajudar-nos, serão seguidos por nós via satélite de forma a que consigamos alterar rotas no momento, se for necessário, e partem de Lisboa para Belgrado no sábado, 19", acrescenta.
Certamente, para desespero daqueles que alarvemente foram acusando os membros da Caravana de só quererem protagonismo, esta é uma solução menos "fotogénica", mas bastante mais, espera-se, "eficaz e capaz de atingir o propósito por detrás de tudo". Ou seja, como conclui Maria Miguel, "levar aos refugiados sírios, que neste momento estão num impasse terrível na Hungria, comida, roupa, brinquedos, produtos de higiene pessoal e vários bens de primeira necessidade".
Agora só têm de apanhar um avião para Belgrado, esperar que excepcionalmente a França deixe circular os camiões durante o fim-de-semana para que a viagem dure apenas três dias, confiar que todos os contactos que têm sido feitos no terreno, "principalmente com a Cruz Vermelha Sérvia", facilitem o trajecto e a chegada ao terreno, e que o processo de entrega das 40 toneladas de solidariedade tuga não seja perturbado pela desumanidade europeia.
Simples, não é?

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