VISÃO
Portugueses testam vacina contra a malária
30.05.2017 às 17h00
Depois de resultados promissores em animais, cientistas do Instituto de Medicina Molecular começam agora os ensaios em pessoas - dispostas a serem picadas por mosquitos centenas de vezes - para avaliar a sua eficácia. Bill Gates financia o trabalho
Todos
os anos, a malária mata 429 mil pessoas só em África. As vítimas são
sobretudo crianças, picadas por um mosquito que nas glândulas salivares
transporta o parasita. A doença afeta os países mais pobres do mundo,
com um impacto gigantesco na economia, já de si frágil. Talvez por isso
tenha sido tão negligencida - os países fustigados não têm meios para a
combater, os mais ricos estão pouco dispertos para o problema. Até que
Bill Gates, o homem mais rico do mundo, assumiu a missão de dar a volta a
isto. Além de distribuir redes mosquiteiras e fornecer medicamentos, a
fundação que criou com a mulher, a Bill and Melinda Gates Foundation,
atribui milhões de dólares a projetos de investigação na área.
Desde
2010 que a equipa de Miguel Prudêncio, no Instituto de Medicina
Molecular (IMM), em Lisboa, recebe financiamento para desenvolver uma
vacina - o objetivo principal na luta contra o parasita (Plasmodium falciparum). Os primeiros passos
foram tão promissores que a fundação decidiu transferir o projeto para a
Malaria Vaccine Initiative (MVI), entidade que aposta todas as fichas
na descoberta de uma vacina. E o sonho de Bill Gates, e de todos os que
enfrentam a devastação causada por esta doença, pode já não estar muito
longe.
Ao fim de sete anos de trabalho - testes em células;
testes em animais, incluindo primatas - Miguel Prudêncio e a sua equipa
preparam-se para começar, na Holanda, os ensaios clínicos à sua vacina, a
PbVac. Suportados pelo sucesso das fases anteriores, a expetativa nos
laboratórios do IMM é de que se esteja prestes a fazer história.
No
mercado, já existem vários projetos nesta área, incluindo uma vacina
aprovada, da farmacêutica Glaxo. Mas a sua eficácia deixa muito a
desejar.
Preparar o organismo para combater uma infeção provocada
por um parasita traz mais desafios do que criar defesas contra um vírus
ou uma bactéria. Os parasitas são seres mais complexos, com várias
estratégias para escapar ao sistema imunitário do hospedeiro. Além
disso, no caso do plasmodium, o seu ciclo de vida passa por duas fases,
uma no fígado, em que não há ainda sintomas, e uma no sangue, quando a
pessoa começa a sentir-se febril, com tremores, dores de cabeça e no
corpo e um cansaço extremo.
A vacina portuguesa
A
vacina que está no mercado usa pedaços do parasita para provocar uma
resposta imunitária. Ou seja, mostra um pequeno fragmento do agente
patogénico ao sistema de defesa para que este prepare a sua guarda que
deverá entrar em ação quando uma verdadeira infeção acontecer. É uma
estratégia segura, mas com uma taxa de sucesso muito baixa - à volta de
30 por cento.
Para levar o organismo a criar um exército mais
robusto, o ideal seria usar o parasita inteiro. Mas como fazer isso sem
causar a doença? A resposta encontrada pela equipa do IMM é simples,
porém engenhosa: usar um parasita que não infeta humanos, mas que produz
proteínas do parasita que infeta os humanos. Em concreto, os cientistas
(num trabalho experimental realizado por António Mendes) pegaram num
parasita que infeta roedores e modificaram-no geneticamente de forma a
que ele produza, ou expresse, proteínas características do parasita que
infeta os humanos. Uma espécie de lobo envolto em pele de cordeiro. O
parasita não provoca doença nas pessoas, mas desencadeia uma resposta
imunitária contra o parasita que nos ataca, obrigando o corpo a produzir
anticorpos.
Nos ensaios clínicos de fase I - a primeira de três
que andecedem a aprovação - 12 voluntários tomarão a vacina e serão
posteriormente infetados com malária. O primeiro objetivo é verificar se
esta é segura, ou seja, não provoca reações indesejadas. O segundo
objetivo é avaliar se é eficaz, evitando que os voluntários, infetados,
desenvolvam a doença.
A forma de administração da vacina será,
para já, uma picada do próprio mosquito, que carrega nas glâdulas
salivares a vacina PbVac (no futuro será desenvolvida uma estratégia de
vacinação por injeção). Cada um dos voluntários - estudantes, entre os
18 e os 35 anos - vai sujeitar-se a quatro sessões de 75 picadas cada.
No grupo de controle, seis pessoas receberão placebo, pelo que não terão
qualquer imunidade quando forem infetadas com malária. Claro que serão
todas monitorizados com cuidado extremo e começarão a ser tratadas aos
primeiros sinais de infeção. A bem da ciência e da humanidade.
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