EXPRESSO

Estagiar na maior favela do mundo

Marta Baeta escolheu uma escola na Kibera, Quénia, para fazer voluntariado. Escapou aos assaltos e, com uma campanha de angariação de fundos no Facebook, ajudou as crianças a escapar às malhas da pobreza, garantindo-lhes um ano de estudos pagos.

Maria Martins
 Sexta feira, 15 de março de 2013
Marta transformou os sonhos destas crianças em realidade, através do Facebook
Marta transformou os sonhos destas crianças em realidade, através do Facebook
Sempre foi aventureira e não faz as coisas pela metade. Quando Marta Baeta, 24 anos, decidiu fazer um estágio com a AIESEC não facilitou e escolheu um dos piores locais do mundo, a Kibera, a maior favela do mundo, que fica no Quénia. Partiu preparada para tudo, mas o destino revelou-se pior do que imaginara. Hoje reconhece que os pais "perderam anos de vidam naqueles três meses", e confessa que nos primeiros dias receou pela sua segurança. Não podia entrar sozinha na Kibera e tinha de se certificar que ninguém a seguia. Mas todos estes cuidados eram recompensados quando chegava junto das crianças.
A missão de Marta era dar aulas e ocupar os tempos livres de um grupo de meninos entre os 4 e os 7 anos, mas quando chegou a época das cheias e percebeu que as crianças nem sequer tinham galochas, a estudante de Relações Públicas e Comunicação Empresarial, percebeu que podia fazer muito mais por aquelas crianças e pediu ajuda aos amigos pelo Facebook. "Pareceu-me a forma mais fácil de divulgar a iniciativa e conseguir o dinheiro", explica Marta, que no entanto, não esperava uma receptividade tão grande. Com uma rede de 2500 amigos, em dois dias angariou o dinheiro para as galochas e para mais. Os amigos passaram a mensagem a outros amigos e ao Quénia chegaram donativos de pessoas que nem conhecia. "A iniciativa tomou umas proporções que nunca imaginei", confessa. Estava justificado o que tinha gasto numa pen para ter acesso à internet no Quénia.
Com dinheiro de sobra, Marta começou a investigar onde poderia aplicá-lo em benefício das crianças. Foi quando percebeu que cada uma delas precisa de 100 euros por ano para poder ir à escola, dinheiro que a maioria dos pais não tem. Na véspera de partir, garantira um ano de estudos para seis delas. Comprou uniformes, mochilas e material escolar e assegurou que teriam uma refeição por dia - em alguns casos a única que conseguem comer. Os últimos dias foram um stresse para conseguir deixar tudo tratado, mas fez questão de ser ela a comprar tudo. "Cheguei a ter discussões com os diretores da escola, porque queriam que eu lhes desse o dinheiro para serem eles a pagar tudo ao longo do ano", conta. Mas não cedeu.
Vida dura
Os alojamentos onde ficou estavam a anos-luz do conforto da casa dos pais, no Barreiro - eram sujos e tinha de dividir "um espaço mínimo com mais cinco raparigas". Todos os dias, Marta tinha de apanhar dois matatus (transporte público com 12 lugares) e andar mais meia hora na Kibera, até chegar à escola. Os assaltos eram frequentes e foi uma das poucas voluntárias que lhes escapou. "Até as crianças se preocupavam com a minha segurança, quando nos afastávamos da escola", conta.
Apesar dos receios, nunca apanhou sustos - nem mesmo quando andava com todo o dinheiro que recolheu para apoiar as crianças. O seu problema foi o cansaço e a alimentação. O tempo livre era praticamente inexistente. Quando não estava na escola, estava no computador a explicar as condições em que viviam aquelas crianças e o que pretendia fazer com o dinheiro que lhe enviassem. E ainda arranjava tempo para apoiar projetos de outros voluntários. Nos fins-de-semana aproveitava para dormir e conhecer o país. Mas nas últimas semanas estava de tal forma esgotada que chegou a "desmaiar" na rua: "Decidi parar". A alimentação não ajudava. Comia pouco e sempre a mesma coisa. Levou tempo a habituar-se à comida, mas hoje sente saudades do uagli e do sukuma wiki - uma espécie de farinha de milho transformada num puré duro, mas sem sabor, e uma couve tipo caldo-verde, mas mais amarga, que é cozinhada com um refogado de tomate. Geralmente só comia ao pequeno-almoço e ao jantar, "porque não queria que os miúdos me vissem comer e também porque não achava justo eu comer e eles não".
A aventura mal começou
Apesar da falta de segurança e das condições de pobreza extrema, Marta quer voltar à Kibera. Desde que regressou, há três meses, que as crianças não lhe saem da cabeça, e sente que tem de fazer mais por eles. Quer continuar a garantir os seus estudos até que cheguem à universidade. Está a pensar na melhor forma de o conseguir, até porque "as pessoas querem continuar a apoiá-los". Já decidiu que vai abrir uma conta só para o projeto e está disposta a ir ao Quénia todos os anos para pagar os seus estudos. A próxima viagem acontecerá ainda em 2013.
Antes disso, o objetivo é terminar o curso na Escola de Comunicação Social de Lisboa. Já o devia ter feito no ano passado, mas o tempo não esticou o suficiente e Marta definiu outras prioridades. Já fez três estágios, já trabalhou, foi vice-presidente da associação de estudantes durante dois anos, fez intercâmbio para o Brasil e nunca deixou de fazer voluntariado. "Preferi aprender e ganhar novas competências com outro tipo de atividades, do que ter pressa em acabar o curso", diz taxativa. Tem tempo para entrar no mercado de trabalho e até admite que poderá partir em missão mais uns meses. Só tem um objetivo: "Fazer algo que me faça feliz".



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