VICE
Há 40 toneladas de solidariedade portuguesa para entregar aos refugiados sírios
Por Sérgio Felizardo
Enquanto as engomadas e cheirosas altas esferas da União
Europeia continuam a alimentar o espectáculo absurdo da falta de
entendimento sobre como gerir politicamente, ou geopoliticamente, ou lá o
que seja, a enxurrada imparável de gente desesperada em fuga de um
martírio sem fim à vista, em menos de uma semana a chamada sociedade
civil portuguesa - ou seja uma rapaziada amiga com muitos contactos e
iniciativa - mobilizou 150 voluntários em 30 locais do País e recolheu
40 toneladas de donativos para...simplesmente...ajudar.
O primeiro camião a ser carregado. Imagem via.

Tão simples que, poucos dias depois de criar a página Aylan Kurdi Caravan
no Facebook esta rapaziada teve de montar um Centro de Operações
improvisado em Alfragide, coordenar mais de uma centena de pessoas de
Norte a Sul que foram criando pontos de recolha nas suas localidades,
gerir todo o processo de criação de uma rota que os levasse a bom porto
com todo o estabelecimento de contactos institucionais que isso
representa, desde as ONG's no terreno, às embaixadas, consulados e o
diabo a quatro, dividir, embalar, catalogar e carregar todo o material
oferecido e, claro, ir respondendo com calma e serenidade às 542.687 mil
mensagens de ódio que iam recebendo dos generosos, moralistas e
inevitáveis defensores dos "nossos", da suprema raça lusitana que sofre
vagabundeando pelas ruas e a quem ninguém acode. "Olhem para a voça rua!
Olhem no bairro onde vivem ! Na cidade! Há portugueses a passar fome há
crianças que nestas férias nem refeições fazem porque as únicas que tem
são nas escolas! É só isso que vos pesso!". Coisas deste calibre a
torto e a direito.
Pois
é, nem a rapaziada esmoreceu, nem a tal Sociedade Civil claudicou e,
tal como tudo no terreno - que a cada dia que passa se parece mais com
um cenário de guerra - está em constante mudança, também a Caravana foi
obrigada a reformular-se. As 15 carrinhas que estavam prontas para
arrancar amanhã, sexta-feira, 18, transformaram-se em "dois ou três
camiões TIR, devido à dimensão da carga que foi possível juntar e que já
não era possível transportar no modelo que estava pensado", revela à
VICE Maria Miguel Ferreira, uma das responsáveis pela organização da
iniciativa. "Os veículos são cedidos por algumas das mais de 20 empresas
que estão a ajudar-nos, serão seguidos por nós via satélite de forma a
que consigamos alterar rotas no momento, se for necessário, e partem de
Lisboa para Belgrado no sábado, 19", acrescenta.
Certamente,
para desespero daqueles que alarvemente foram acusando os membros da
Caravana de só quererem protagonismo, esta é uma solução menos
"fotogénica", mas bastante mais, espera-se, "eficaz e capaz de atingir o
propósito por detrás de tudo". Ou seja, como conclui Maria Miguel,
"levar aos refugiados sírios, que neste momento estão num impasse
terrível na Hungria, comida, roupa, brinquedos, produtos de higiene
pessoal e vários bens de primeira necessidade".
Agora só têm de
apanhar um avião para Belgrado, esperar que excepcionalmente a França
deixe circular os camiões durante o fim-de-semana para que a viagem dure
apenas três dias, confiar que todos os contactos que têm sido feitos no
terreno, "principalmente com a Cruz Vermelha Sérvia", facilitem o
trajecto e a chegada ao terreno, e que o processo de entrega das 40
toneladas de solidariedade tuga não seja perturbado pela desumanidade
europeia.
Simples, não é?
Comentários