Homicídios de crianças no Brasil têm cor e endereço e continuam a subir
Um
filme apoiado pela UNICEF apela aos líderes mundiais que invistam na
primeira infância, "o melhor investimento que pode ser feito na
humanidade", e sugere que o segredo está em apoiar os adultos que cuidam
delas.
"A
janela mais eficiente que temos de criar uma sociedade criativa,
igualitária, democrática e livre é na primeira infância", disse à Lusa
Estela Renner, a realizadora do filme "O Começo da Vida", que será
divulgado na quarta-feira, para assinalar o Dia da Criança.
Filmado na Argentina, Brasil, Canadá, China, França, Itália, Quénia e
Estados Unidos, o documentário, de 90 minutos, parte da ideia de que os
bebés se desenvolvem, não apenas a partir do seu ADN, mas da combinação
entre a carga genética e as interações com aqueles que os rodeiam: a
mãe, o pai, os avós, os irmãos, mas também a natureza ou as
brincadeiras.
Com base em entrevistas a especialistas e famílias de diferentes
estratos sociais em todos os países abrangidos, o filme da brasileira
Estela Renner lembra que "um cérebro forte acontece a partir das
ligações entre os neurónios e essas ligações só solidificam, só ficam
permanentes se tiverem acontecido dentro de uma experiencia de
qualidade, afetuosa e significativa".
Como diz no filme o economista Flávio Cunha, da Universidade Rice, em
Houston, EUA, "o afeto é a fita isolante das ligações entre os
neurónios".
Logo, defende a realizadora, o investimento deve ser feito "na
qualidade das interações nos primeiros anos de vida", nomeadamente
através de apoios à parentalidade e na qualidade da formação dos
cuidadores em creches e instituições.
"Se o pai ou a mãe está quatro horas no transporte público, o que
acontece em muitos países em desenvolvimento, ele não tem mais energia
para dar para o seu filho", exemplifica.
E acrescenta: "Muitas famílias que eu entrevistei sabiam muito bem o
que os seus filhos precisavam, mas eles não tinham o que comer. Eles
sabem que brincar é importante, que ouvir os seus filhos é importante,
mas como ter uma mente tranquila para poderem interagir com os filhos?".
No filme, o Nobel da Economia James Heckman diz que "cuidar dos bebés
é o melhor investimento que pode ser feito na humanidade" e cita um
estudo que realizou nos EUA e que concluiu que cada dólar investido nos
primeiros anos de vida resulta num retorno de sete a dez dólares para o
Estado ao longo da vida, nomeadamente em poupanças em centros de
detenção e recuperação.
"O que descobrimos é que há um retorno de sete a 10% por ano, o que é
um retorno muito grande, muito mais elevado do que a bolsa nos EUA",
diz o economista.
Também entrevistada no documentário, Leah Ambwaya, ativista pelo
direito das crianças e presidente da fundação queniana Terry Children,
defende que "um Governo que leve a sério o desenvolvimento das crianças
ou o futuro das suas crianças é um Governo que investe na parentalidade,
criando oportunidades para os pais que lhes permitam ter qualidade de
vida com os filhos".
O problema, diz Jack Shonkoff, diretor do Centro para a Criança em
Desenvolvimento, da Universidade de Harvard, é que muitas vezes os
políticos querem ajudar as crianças, mas não querem apoiar os adultos.
"Mas a ciência diz-nos que não podemos ajudar crianças sem ajudarmos os adultos que cuidam delas", alerta.
Estela Renner vai mais longe: "Quando a gente diz que é preciso uma
vila para cuidar de uma criança, precisamos de uma vila para cuidar do
adulto que está a cuidar dessa criança".
Para a realizadora, de 42 anos, essa responsabilidade não é só dos políticos e das instituições. É de todos.
"Dizer: eu faço um bom trabalho com os meus filhos, está suficiente.
Não está. Tem de fazer um bom trabalho para todos os filhos. Somos todos
responsáveis", defende.
FPA // VMLusa/Fim
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