Um pequeno passo para as mulheres, um grande passo para o mundo árabe

O dia 26 de julho de 2017 ficará marcado para sempre na história da Tunísia como o dia em que as mulheres viram os seus direitos reconhecidos. Pode parecer um pequeno passo no século XXI, mas no que concerne o papel da mulher no mundo árabe, é um passo de gigante.
“A lei sobre a violência contra as mulheres, incluindo a violência doméstica, adotada em 26 de julho pelo parlamento tunisino, representa um passo histórico, há décadas reivindicado pelas organizações de direitos humanos das mulheres tunisinas. A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres congratula-se com a adoção desta Lei”, diz a organização em declarações ao SAPO 24.
Fez-se história na Tunísia quando o parlamento aprovou uma lei com o objetivo de colocar fim “a toda a violência contra mulheres”. O decreto, que deverá entrar em vigor já no próximo ano, define a violência contra as mulheres como “agressões quer físicas, morais, sexuais ou económicas”, baseada na discriminação entre os dois sexos. Ou seja, a legislação inclui todos os elementos-chave da definição de violência doméstica recomendada pelo Manual das Nações Unidas de Legislação sobre Violência contra a Mulher.
“Esta lei é um marco histórico para os direitos das mulheres na Tunísia”, disse Amna Guellali, chefe do gabinete tunisino da organização não-governamental Human Rights Watch, em entrevista à FRANCE 24, na passada quinta-feira.
"A Tunísia sempre foi retratada como um dos melhores países pelos direitos das mulheres na região. Com esta lei, o país mantém sua posição pioneira", sublinha a mesma fonte.
“Importa, agora, que a ambição da Lei se materialize na disponibilização dos meios necessários para a sua plena implementação, em parceria com as organizações de direitos humanos das mulheres tunisinas, e que as mesmas disponham dos meios financeiros e materiais para o efeito”, reitera a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres.
De acordo com o que é explicado pelo diário espanhol El País, a nova legislação veio revogar o artigo 227 do Código Penal, que possibilitava ao violador de uma menor não ir preso caso se casasse com a vítima.
Com a promulgação do novo diploma, quem mantiver relações ou violar uma menor de 16 anos pode incorrer numa pena que pode ir dos 20 anos de cadeia até à prisão perpétua, conforme o contexto do crime. Se a jovem tiver entre 16 e 18 anos, a pena poderá ir até aos cinco anos de cadeia. O novo diploma inclui a penalização do assédio sexual, incluindo o verbal, com multas que podem chegar aos mil dinares, cerca de 350 euros.
Apesar de a nova lei ser um grande avanço, há um obstáculo que está a dividir os apoiantes da legislação, que é a alteração da idade a partir da qual é considerado que uma mulher atinge a sua maturidade sexual, que passou dos 13 para os 18 anos, e que abriu caminho a uma nova legislação sobre relações com menores.
Embora a Tunísia seja vista como uma pioneira no mundo muçulmano, no que diz respeito aos direitos das mulheres, vários grupos defensores dos direitos humanos salientam o facto de que as mulheres ainda são discriminadas, com pelo menos 47% das tunisinas a admitirem ter sofrido algum tipo de violência durante as suas vidas, de acordo com um estudo de 2010 publicado pela National Family Office.
“A violência contra as mulheres e raparigas é uma questão política. Quando países como a Tunísia assumem a responsabilidade de garantir a segurança e a integridade de todas as mulheres e meninas, significa que querem deliberadamente construir sociedades onde os direitos das mulheres são respeitados, onde as mulheres e as meninas não são consideradas seres inferiores e sua integridade corporal está protegida”, sublinha a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres.
Antes da aprovação desta lei, não existia nenhuma legislação específica que se debruçasse sobre a violência doméstica. Agora, estas agressões são reconhecidas, não só no seio da família, como também em locais públicos. Para além disso, polícia especializada e uma unidade especial dedicada à nova legislação, assim como serviços judiciais para as vítimas, passarão a estar ativos e ao serviço da comunidade.
"Tudo isto representa uma revolução no sistema jurídico e também uma revolução na mentalidade, porque geralmente a violência contra as mulheres que ocorre dentro da casa é considerada algo privado e só para a família lidar", explicou Guellali à FRANCE 24.
Financiamento da lei é impreciso
Embora a lei tenha sido bem recebida por grupos de direitos humanos, Guellali relembrou à FRANCE 24 que a Tunísia exigiu assistência financeira internacional para implementar esta lei, abrangente e ambiciosa.
"Embora a lei exija que as autoridades encaminhem as mulheres para abrigos, em caso de necessidade, não fornece mecanismos para financiar quaisquer abrigos governamentais ou não-governamentais", afirmou uma declaração da HRW. "Também não estabelece disposições para que o governo forneça assistência financeira oportuna às mulheres para atender às suas necessidades ou assistência na procura de habitação de longo prazo. A lei, em resumo, não estipula como o estado irá financiar os programas e políticas que ela traz. "
Apesar das questões relativas às medidas de implementação do financiamento, Guellali congratulou-se com a nova lei da Tunísia, observando que poderia criar um precedente na região.
"Esperamos que este precedente que a Tunísia estabeleça seja seguido por outros", disse Guellali. "Marrocos também está a debater uma lei sobre violência doméstica. A Argélia adotou uma lei no ano passado que criminaliza a violência contra mulheres, mas está abaixo dos padrões exigidos. Então esperamos que este precedente da Tunísia e esta nova lei impeçam a agenda de reformas para combater a violência contra as mulheres na região".

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