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 VACINAS PORTUGUESAS CONTRA A COVID-19

PROCURAM DINHEIRO PARA TESTES EM HUMANOS

Duas equipas em Portugal que desenvolvem vacinas da covid-19 procuram financiamento para a fase que se segue aos ensaios em animais. Ambas esperam começar os ensaios em humanos ainda este ano.

A vacina que está a ser desenvolvida pela Immunethep é composta pelo vírus SARS-CoV-2 completo inactivado e por uma substância à base de ácidos nucleicos que estimula o sistema imunitário. A forma de administração será intranasal “para permitir que a maior parte da resposta seja concentrada nos pulmões, que é a zona privilegiada por este vírus”, explica ao PÚBLICO Bruno Santos, co-fundador e presidente executivo da empresa. A utilização “da parte intranasal e da administração local no pulmão é baseada noutras vacinas”, adianta ainda.

O processo de desenvolvimento da vacina iniciou-se em Maio, após o primeiro confinamento. “Foi quando começámos a avaliar diferentes formulações”, recorda Bruno Santos. Num comunicado sobre a empresa, diz-se que o seu conhecimento anterior sobre imunoterapias permitiu-lhe avançar de forma rápida para vacina da covid-19.

Neste momento, já há resultados de testes em ratinhos. Quais são? “Está a correr tudo de acordo com o planeado”, responde Bruno Santos. E explica que se viu que o sistema imunitário dos ratinhos consegue produzir anticorpos depois de a vacina lhes ser administrada. Agora, também com modelos animais, ainda se irá testar o nível de eficácia. Pensa-se que esse estudo demore entre dois e três meses.

Quanto à publicação dos resultados, Bruno Santos indica que estão a reuni-los para os mostrar a entidades reguladoras. No final dos ensaios pré-clínicos, preparar-se-á uma publicação para a comunidade científica.

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Equipa no laboratório da Immunethep: Bruno Santos é o primeiro a contar da esquerda DR

Por agora, estão também a definir-se certos aspectos sobre os ensaios clínicos com as entidades com as quais pretendem produzir a vacina. Está ainda a ser preparada a reunião com as entidades reguladoras europeias para “se afinar o que vai ser o plano do ensaio clínico”, diz o responsável da empresa. Essa reunião ainda não está marcada: “A expectativa é que seja no próximo mês ou dois meses no máximo, entre Março e Abril”, informa. 

Bruno Santos diz que a empresa está a trabalhar ao nível da autorização dos ensaios clínicos. “Sem os dados pré-clínicos também não seria possível. Temos de ter esses dados para podermos avançar.” Mesmo assim, o objectivo é que seja iniciado a meio do ano. Numa primeira fase, participarão 50 pessoas e numa fase seguinte já serão cerca de 2000 os participantes, prevê-se. Pretende-se que os ensaios sejam todos feitos em Portugal.

Relativamente a parceiros ao nível da produção, contam com a PnuVax (uma fabricante global de vacinas no Canadá). Também a empresa Blueclinical está a projectar os ensaios clínicos e a preparar o contacto com as entidades reguladoras. Prevê-se que os ensaios clínicos custem cerca de 20 milhões de euros. “Estamos neste momento a iniciar o processo de fundraising”, informa Bruno Santos.

Ao longo do desenvolvimento da vacina, a empresa tem usado fundos próprios e do programa Portugal 2020. Até agora, o investimento já ronda um milhão de euros, refere-se no comunicado. “Para avançarmos, tal como aconteceu noutros países europeus, faz todo o sentido que haja uma intervenção do Estado nessas mesmas vacinas”, considera o presidente-executivo da empresa.

Além dos ensaios clínicos, sugere ainda que deveria haver investimento das entidades governamentais portuguesas para construção de uma unidade de produção de vacinas em Portugal. Já não seria usada para esta pandemia, mas seria um recurso para futuras pandemias ou podia até ser utilizada no fabrico de vacinas como a da gripe.

Se tudo correr como planeado, a empresa espera que esta vacina esteja no mercado em 2022, por um valor à volta dos dois a dez euros.

E já se tiveram em conta as novas variantes do vírus que tem surgido? Bruno Santos indica que a abordagem nesta vacina é mais abrangente do que outras que têm sido desenvolvidas e que têm como alvo apenas a proteína da espícula (responsável pela entrada do SARS-CoV-2 nas células humanas). “Como usamos um vírus como um todo, mesmo que haja alterações, que é o que aconteceu nessas novas variantes, o resto do vírus não muda. Temos a mesma capacidade de identificar o vírus e de o controlar”, esclarece, acrescentando que a taxa de mutação da proteína da espícula é de cerca de 30% e que a de todo o SARS-CoV-2 é de 1 a 2%. “O facto de se usar o vírus inactivado reduz-se muito a probabilidade de haver mutações que escapem à vacina.”

Uma nanovacina de Portugal e Israel

Já os laboratórios de Helena Florindo (da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa) e o de Ronit Satchi-Fainar (da Universidade de Telavive) adaptaram para a covid-19 uma plataforma de nanovacinas que tinha antes estimulado a resposta imunitária contra o melanoma. Composta por polímeros biodegradáveis, esta nanovacina tem no interior uma combinação de péptidos (pequenas sequências de aminoácidos, que funcionam como marcadores) do vírus e de adjuvantes (ingredientes que aumentam a eficácia da vacina). Para a vacina para a covid-19, alteraram-se os antigénios (moléculas estranhas ao organismo que desencadeiam uma resposta imunitária) que tinham sido usados na vacina do cancro para alguns que identificados no SARS-CoV-2.

“Temos resultados pré-clínicos da vacina candidata em termos da resposta medida por anticorpos e por células”, conta ao PÚBLICO Helena Florindo. “Estamos a confirmar agora com o modelo do vírus vivo.” A cientista diz que os resultados em ratinhos já são “robustos”, mas que ainda se estão a afinar alguns pormenores. “Já podemos dizer que temos uma candidata a vacina, mas ainda com algumas reservas”, assinala. Ao longo do último ano, a equipa de Helena Florindo procurou em diferentes combinações de péptidos qual seria a melhor candidata.

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Helena Florindo DR

Nos ensaios em animais, a equipa comparou os níveis de anticorpos presentes no soro de ratinhos imunizados com a nanovacina com os níveis de anticorpos de ratinhos imunizados apenas com o antigénio escolhido numa solução (só com os componentes activos da vacina). Resultado: esse antigénio levava à produção de uma grande quantidade de anticorpos. “A vacina conseguia triplicar ou quadruplicar os anticorpos que neutralizam os vírus nos ratinhos”, refere, acrescentando que a protecção aumentou em todos os animais. Neste momento, está a testar-se um outro antigénio que pode “ser mais forte”. Avaliou-se ainda a quantidade células imunitárias (como os linfócitos T e B) activados pela vacina nos nódulos linfáticos e no baço dos roedores: a vacina fez com que as células estivessem activas.

Espera-se a publicação destes resultados dentro de quatro meses. Por agora, procura-se também financiamento para fazer a transposição de escala para a indústria e se conseguir assim o produto para administrar nos ensaios clínicos. Para os testes em animais, a equipa teve 300 mil euros da Fundação La Caixa. Mas, para a transposição de escala, prevê-se que sejam necessários cerca de dois milhões e a investigadora revela que se está a procurar esse financiamento em fundos de investimento. “Temos feito contactos maioritariamente na Europa.”

Já em relação aos ensaios clínicos, Helena Florindo adianta apenas algumas estimativas: pelo menos, cinco milhões de euros e 15 mil pessoas na primeira e segunda fases desse estudo. “Esperamos iniciar os ensaios clínicos antes do fim do ano”, perspectiva. Serão feitos em Portugal? A cientista diz que ainda não sabe, mas que já estão a falar com a entidade reguladora do mercado farmacêutico dos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA). “Gostava que o ensaio também fosse na Europa”, confessa.

A administração da primeira candidata a vacina desta equipa será por injecção. “Os resultados que temos agora são relativos à administração subcutânea. Um estudo [da vacina] por via nasal ainda está a decorrer”, esclarece a cientista. O custo de produção da primeira vacina estima-se perto dos dez euros.

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