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Homens da Luta: não são música de intervenção, mas são intervenção

Por Marco Vaza

Subverteram o sistema ao ganhar o Festival da Canção. Em Maio vão representar o país em Dusseldorf. Os Homens da Luta têm um passado de Festa do Avante!, mas não têm cor política.
A Luta é uma Alegria venceu com os votos dos telespectadores A Luta é uma Alegria venceu com os votos dos O protesto é quase uma herança genética para os irmãos Nuno e Vasco Duarte, mas antes de serem os Homens da Luta não participavam em manifestações ou eram particularmente contestatários. É uma herança da parte do avô paterno, militante comunista, que esteve preso antes do 25 de Abril de 1974. E viveram a infância rodeados de símbolos de protesto, eram crianças quando ouviram as músicas de Zeca Afonso e andaram pelas festas do Avante!. Mas nunca foram comunistas, não que tivessem alguma coisa contra.

"Éramos uns abstencionistas que por aí andavam. Mais uns", conta ao P2 Nuno Duarte, o "Neto" da dupla que forma com "Falâncio"/Vasco. Mas agora já não podem fugir, mesmo que quisessem.

A Luta é Alegria, uma canção/performance humorística e reminiscente de outros tempos da música portuguesa, ganhou, no último sábado, o Festival da Canção, com o voto popular por telefone, contrariando a votação dos júris regionais, e vai representar Portugal no Eurofestival a 14 de Maio em Dusseldorf.

Num bastião de entretenimento e música popular como é actualmente o festival, os Homens da Luta, que haviam concorrido em 2010 mas que não chegaram a subir ao palco por não cumprirem as regras do concurso, levaram agora o seu número humorístico e subverteram o sistema. Não são propriamente músicos, são entertainers, agora com um objectivo. "Trabalhamos num paradoxo, andamos no fio da navalha. Filosoficamente, consideramo-nos zeca-afonsianos. A nossa responsabilidade é animar a malta e queremos que as pessoas se riam no nosso número mas com coisas sérias", admite Nuno/Neto/Jel, que, no dia a seguir ao festival, foi actuar no Carnaval de Ovar, onde, diz, ele e o irmão foram "recebidos em apoteose.

A colagem dos Homens da Luta aos músicos de intervenção que marcaram uma era na música portuguesa é óbvia e assumida nas letras e na própria composição das personagens - o bigode, a boina, a guitarra, o megafone, os "tiriritiri", os "camarada" palavra sim, palavra não. Zeca Afonso e outros são modelos, embora dificilmente se possa considerar música de intervenção.

"Fazem humor. Cáustico, corrosivo e interessante, mas não tem comparação. A música de intervenção é outra coisa", considera Vitorino. Para José Cid, que venceu o festival em 1980 com Um Grande, Grande Amor, os Homens da Luta soam vagamente a música de intervenção, mas são sobretudo um "número humorístico com piada". "[A vitória no festival] é sinal de um país mal pensado e abandonado", observa o cantor.

Quando contactado pelo P2, Ruben de Carvalho, vereador da Câmara Municipal de Lisboa e responsável pela programação musical da Festa do Avante!, tinha acabado de ler a notícia sobre a vitória dos Homens na Luta e confessava não ter grande conhecimento sobre o assunto. Considerou, no entanto, que fenómenos como este são explicáveis pela actualidade. "É evidente que há condições para o protesto, mas isso não se faz por decreto", observa o vereador, salientando a importância musical e social que homens com Zeca Afonso tiveram. "Mas a música de intervenção nunca desapareceu", considera, referindo a música dos Deolinda, Parva que Sou, como um exemplo recente.

Vestir a camisola

Os Homens da Luta foram criados há cinco anos para o programa Vai Tudo Abaixo, da SIC Radical. São provocadores que apareciam em grandes ajuntamentos de pessoas, como manifestações, comícios políticos ou campanhas eleitorais, chegaram a ser detidos durante a posse do segundo Governo de José Sócrates, e andaram pela Festa do Avante!, sem serem contratados, onde "muita gente reagiu mal".

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