VER, Valores,Ética e Responsabilidade
A revista "CAIS"
Pela dignificação do Homem
A revista
Quando iniciámos, em 1994, a publicação mensal de uma revista, a ser vendida em exclusivo, na rua, por pessoas em situação de sem abrigo, o fotojornalismo e os trabalhos fotográficos de autor não se encontravam com muita facilidade entre a imprensa portuguesa. Ao perceber que um canal de informação genérica seria de todo insustentável, a Associação CAIS pensou, com a revista, em explorar uma forma de comunicação muito forte e ainda muito pouco presente (enquanto voz desligada da palavra), nas revistas da altura. Ao apostar na fotografia, a favor de uma causa social, a CAIS não só não correria o risco de não ser vendida como atrairia um novo público, interessado e ávido de trabalhos fotográficos.
Partnership
A Associação CAIS nasce de uma relação e é hoje o resultado de uma verdadeira partnership. Um pequeno grupo de profissionais de comunicação iniciaram o projecto, mas hoje, mais do que os seus fundadores, o seu público-alvo, os órgãos sociais, os sócios e a equipa executiva, a CAIS é uma rede de parceiros, um projecto sociocultural e político de muitos cidadãos, instituições e empresas, presentes em Portugal. E não o é por circunstâncias meramente económicas. O número dos que vão adquirindo cada vez mais uma consciência maior sobre a dignidade do ser humano e o intrínseco chamamento a cuidar de si e dos outros, tem levado o trabalho a benefício próprio ou de uma qualquer empresa, a ser também uma actuação em prol de populações desprotegidas e fragilizadas. Por isso, a CAIS é hoje, no terreno, personificação desta mesma consciência e rosto dos infinitos gestos de cidadania que a constituem.
A intervenção
Impedida por razões, sobretudo, económicas, de criar outros projectos de apoio à população sem abrigo, a Associação CAIS, ao longo dos seus primeiros oito anos, reivindicou o direito à autonomia humana através do exercício do direito ao trabalho. Ao colocar, lado a lado, o sem abrigo (utilizador de serviços) e o sem abrigo (vendedor da revista CAIS), a Associação contestou a institucionalização da pobreza, resultante da adopção de práticas assistencialistas, e propôs a sua erradicação através da implementação de modelos de capacitação conducentes à participação activa, de indivíduos e grupos desfavorecidos.
A inclusão
O encontro com um outro eixo, a que chamamos de inclusão, nascido de uma aproximação maior aos que são reféns da desigualdade e pobreza, é fundamental à aprendizagem sobre modelos e técnicas utilizadas na reconstrução de indivíduos. Na verdade, pensar a pobreza exigia, numa altura de quase refundação da CAIS, que esta se abordasse e combatesse, na prática, através do empoderamento de quem nunca teve ou deixou de ter acesso aos Direitos Humanos Fundamentais. Os centros CAIS de Lisboa e Porto, com duas distintas comunidades de inserção, e aos quais se juntam estratégias de inclusão tão inovadoras como a CAIS Digital, o Futebol de Rua e o AventurArte, fazem apelo, nas dinâmicas que as compõem, a uma maior justiça social, reivindicando para além do básico, o direito à informação, à comunicação, à cultura e ao desporto, entre outros. Nada é preto no branco, nestes longos processos de recuperação de sentido; aqui, de facto, a capacitação de cada um não é, como que por magia, imediata e definitiva. Por isso, os resultados, muito para além da linha de qualquer meta final, conseguem-se e anotam-se, passo a passo, no desenrolar de infinitos momentos de crescimento individual e comunitário. Retemos certamente como importantes aquelas experiências que puxam pela auto-estima, encorajam, entusiasmam, devolvem confiança e elevados graus de optimismo, mas mais importante ainda é a descida do Tabor à realidade do dia a dia, onde o acompanhamento fiel e constante de cada indivíduo, por parte dos técnicos, neste caso, da CAIS, é crucial à sua reconstrução. De nada serviria, de facto e a título de exemplo, uma milenar Festa das Sementeiras, se o germinar das sementes não fosse depois, dia e noite, meticulosamente seguido e cuidado, pelos semeadores. E o mesmo se pode dizer do direito ao Rendimento Social de Inserção, quando não é devidamente apoiado.
O impossível
Invocar o esforço e as estratégias que visam garantir e sustentar a continuidade do trabalho da CAIS, iniciado há quinze anos, significa que a pobreza e a desigualdade continuam a persistir e a crescer, em Portugal. Todo este zelo e dedicação não fariam, de facto, sentido, se todos vivessem dignamente, por estas paragens. Mas a verdade é que as políticas públicas não só não conseguem erradicar a pobreza, em Portugal, como a tornam ainda mais severa. Entristece-nos a falta de vontade política e a quase crónica indiferença, por parte da população, em relação ao seu combate. Mas nunca é demais relembrar que a pobreza nega direitos humanos fundamentais, e que, ao fazê-lo, difunde, consigo, insegurança, instabilidade, doença e caos ambiental. A pobreza não se resolve construindo fortalezas à sua volta mas libertando e dignificando quem se tornou sua presa, e este caminho só será alguma vez possível quando a redução da pobreza fizer parte do programa de todas as políticas públicas. Denunciar, vigiar, estudar, reflectir e apresentar soluções para que Portugal se torne finalmente na casa com que todos sonham, sem excepção, é o que cada pequeno gesto da CAIS procura ser no terreno, até que um dia ela deixe também de fazer sentido.
*Membro da Direcção da CAIS e director da revista CAIS
Comentários