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Por dentro da alma

O OUTRO LADO, MANUEL POPPE

Em 1940, a escritora americana Carson Mc Cullers escreveu um romance extraordinário: "O coração é um caçador solitário". Em 1963, Eric Rohmer seguiu-lhe as pisadas e, até há dias, tentou fixar o drama, a tragédia discreta da busca do apaixonado enquanto jovem. Porque foram sempre jovens as suas personagens.

Gente comum da vida comum, nem por isso menos complexa e sensível. Contas feitas, o trabalho exemplar de Rohmer durou 47 anos, o que, obviamente, é um piscar d'olho mas foram os anos em que a solidão humana alargou as raízes que nos sufocam. "Ma nuit chez Maud", 1969, marca a entrada na voragem dessacralizadora dos anos 70 e 80, sorvedouro que nos arrastou até à crise moral e social de hoje.

Qual o motivo do amor de Rohmer pela juventude? Leitor: sabes bem que é quando nos expomos, entregamos e sofremos mais. E é quando mais exigimos. Depois, deixamos que nos domestiquem, resignamo-nos. Desvergonhamo-nos: atiramos às ortigas ética e remorso - e alinhamos com a sociedade que, pouco a pouco, apunhalou, no cerne, a nossa pureza.

Amor? Fidelidade? Escrúpulos? Onde cabem? Ficam jovens que perdem a inocência (a sinceridade) no embate com o implacável neo-capitalismo, recomposto e desbridado a partir de 1980; jovens que, de cavaleiros andantes, se transformam em bonifrates.

A máquina em que os jovens, ao procurarem-se e procurarem o absoluto, se descobrem envolvidos é indestrinçável. Desorientados, arranham-se, auto-agridem-se, baixam os braços. Deles, quis-se Eric Rohmer o paladino. E creio que, até ao fim, não desistiu e acreditou numa coisa essencial: a morte da esperança juvenil não é inevitável.

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