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Perceber e dar forma ao mundo

por JOÃO MOÇO

Perceber e dar forma ao mundo

Durante três meses, acompanhou o quotidiano de um dos casos portugueses mais mediáticos dos últimos anos: a tentativa de casamento de um casal lésbico

Estávamos em 2006 quando duas mulheres até então desconhecidas, Teresa e Lena, se tornaram num caso mediático quando assumiram publicamente a sua homossexualidade e tentaram casar-se em Por- tugal, alegando a inconstitucionalidade do Código Civil. Não conseguiram casar-se. Depois do processo foram acompanhadas durante três meses pela realizadora Leonor Areal. O filme que daí nasceu, Fora da Lei, foi recentemente lançado em DVD.

"Eu já tinha pensado fazer um filme sobre uma família fora do padrão, uma família homoparental, mas era necessário encontrar a família disponível e quando elas apareceram pensei que podiam ser essa família, pela sua coragem, por darem a cara, e também pelo facto de terem duas filhas, e uma viver com elas e outra não, o que colocava uma série de problemas que seriam interessantes de descobrir no filme", disse a realizadora ao DN.

Fora da Lei é possivelmente o filme mais conhecido da realizadora, mas a sua estreia profissional em cinema deu-se 1991, com o documentário curto Da Terra à Pedra. No entanto, a realizadora só teve a percepção que era ao cinema documental que se queria dedicar "por volta dos 26 ou 27 anos."

Até essa altura passou por um curso de agronomia, que frequentou durante um ano, tentou antropologia, dedicou-se à literatura, "e no final o que eu queria realmente era fazer cinema". Passou pelo Instituto da Juventude, onde tirou um curso de vídeo, e com o documentário Há Drama na Escola (1993), ganhou uma bolsa de estudo na New York Film Academy, que frequentou durante dois meses.

Mas o interesse pela imagem já vem de criança: "Aos oito anos comprei uma máquina fotográfica, com o dinheiro de um prémio infantil, por isso, de certo modo o meu interesse já vem da infância. Além disso os meus pais tinham uma máquina de filmar e na altura fazia muitas experiências."

Sempre foi o cinema documental que motivou a realizadora: "Tenho um interesse pelo mundo, por perceber o mundo e por lhe dar forma. Por outro lado acho que não tenho muita imaginação ficcional". Todavia gosta de construir documentários "como se fossem uma ficção, isto é, pego no material da realidade para fazer uma história, assemelhando-se à estrutura de uma ficção, não o sendo."

As dificuldades como documentarista em Portugal são muitas: "A maior parte das vezes invisto com o meu dinheiro naquilo que acredito, independentemente de depois ser apoiada ou não e isso obviamente que é difícil porque uma pessoa fica na penúria, mas fá-lo porque acredita. Os filmes acabam por ficar mais imperfeitos porque não há meios, mas são também autênticos e verdadeiros", disse.

Leonor Areal acompanhou sozinha durante três meses o dia a dia de Teresa e Lena para a concretização de Fora da Lei. Hoje confessa que durante esse período descobriu "muitas coisas que ignorava". "Há muitas coisas que estão ocultas e mascaradas nos bons costumes e na cortesia das pessoas, mas que na altura certa se revelam como actos de discriminação pura", disse.

E durante o período em que acompanhou Teresa e Lena foram muitos os casos de discriminação que teve de presenciar. Mas enquanto filmava não se envolvia nas situações: "Como estava sozinha tinha de controlar tudo, a câmara, o som e tudo o mais. Aí não reajo, de certa forma apago-me porque estou só a fazer o filme." No entanto, quando desligava a câmara a reacção era bem diferente: "Aí já me envolvia. Houve uma vez que quando elas foram expulsas de casa passámos uma noite na esquadra, depois foram dormir à minha casa, foi uma aventura que merecia ser filmada, mas não se pode fazer tudo ao mesmo tempo."

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