Até que a voz lhe doa

ANA VITÓRIA

Há quem o veja como representante único de uma geração de intérpretes raros. Hoje, segunda-feira, em que Carlos do Carmo completa 70 anos, a melhor prenda era, certamente, a aprovação da candidatura do fado a Património Mundial.

O mais internacional dos fadistas, depois de Amália, é um homem que colhe rara unanimidade no meio artístico luso e, mesmo assim, delicadamente, confessa não ser "muito talhado para ídolo" e "mais talhado para afectos".

"Ele é um ser humano excepcional e um cantor único" diz, a propósito, a fadista Mariza. "Era muito pequena quando ouvi a voz de Carlos do Carmo. Depois, o meu pai ensinou-me a cantar um dos seus fados. Cresci e tinha muita vontade de conhecer a pessoa, já que conhecia o artista. Quando tal aconteceu, fiquei fascinada", recorda.

Mariza sublinha a "gentileza, a educação, a cultura, a inteligência e a sensibilidade" de Carlos do Carmo. Diz que, com o tempo, se tornaram amigos e que foi conhecendo a sua família. "Ela é a extensão da sua grandiosidade. Não se consegue separar. Uma faz parte do outro". Mariza confessa que cada vez é "mais fã do artista e mais amiga da pessoa".

Deslumbramento semelhante pelo intérprete de "Canoas do Tejo" é o que nutre Camané, para quem Carlos do Carmo "é um dos maiores cantores do Mundo, uma das minhas maiores referências".

Apesar de, na juventude, Carlos do Carmo não ter pensado em seguir a carreira de cantor (chegou a estudar hotelaria, gestão e línguas na Suíça), tornou-se uma referência do fado desde que, em 1963, gravou o primeiro disco.

Filho de uma fadista famosa, Lucília do Carmo, o cantor passou adolescência e juventude mais virado para outros géneros. Mas não esconde que apreciava o fado, ou não tivesse convivido com ele desde criança (os pais eram donos de uma casa de fados, O Faia).

Aliás, foi enquanto ajudava os pais na gestão deste espaço que, aos poucos, o fado se foi entranhando na sua alma. A pedido de amigos, também já cantava um ou outro fado. E, quando menos esperava, descobriu que havia cada vez mais público a ouvi-lo. Os êxitos também foram surgindo: "Por morrer uma andorinha", "Gaivota", "Canoas do Tejo", "Os putos", "Lisboa menina e moça" e "Estrela da tarde", entre tantos outros.

Carlos do Carmo sempre procurou dar um cunho próprio ao seu fado, tndo-se rodeado de alguns dos melhores autores e compositores (José Carlos Ary dos Santos, Fernando Tordo, Paulo de Carvalho, José Mário Branco e José Luís Tinoco).

"O Carlos do Carmo tem o que defino como uma atitude cívica perante a arte", sublinha o maestro António Victorino d'Almeida.

O seu percurso internacional foi projectado, como gosta de salientar, "pelos portugueses que saíram da minha terra à procura de uma vida melhor e que me foram passando para as mãos dos empresários e agentes culturais dos países onde residem".

Carlos do Carmo integra actualmente a equipa coordenadora da candidatura do Fado a Património Mundial.

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